Texto originalmente publicado no Medium a 29 de Março de 2021
Todos os dias me procuro no meu reflexo.
Procuro-me em cada espelho, janela ou montra de uma loja. Nesta busca incansável de me ver e de me encontrar.
Mas dou por mim várias vezes a pensar que não me vejo realmente. Que me vejo de dentro, que me oiço com os meus ouvidos, que falo para mim com a minha própria boca e que me vejo com os meus próprios olhos. Isto significa que me vejo já com uma enorme parcialidade. Que vejo o que acho que sou. Que oiço o que acho que digo. Que sinto o que acho que é suposto sentir. Há uma falta de verdade na forma como me vejo. E custa admitir que não nos conhecemos, que não sabemos quem somos verdadeiramente.
A verdade, essa, está guardada para os olhos dos outros e não para os meus. O sorriso espontâneo, a gargalhada estridente, o brilhozinho nos olhos, a cara de emoção, a primeira lágrima a escorrer pela face, o suspiro de mágoa e o voltar à calma depois de uma discussão. São imagens só reservadas para quem nos vê de fora para dentro.
E podemos tentar ver-nos com os olhos dos outros: tirar fotografias, filmar, ou simplesmente pedir que nos descrevam. Mas nunca vamos ver-nos como nos veem, nunca vamos sentir por nós o que os outros sentem. A nossa humanidade e espontaneidade está reservada para os outros.
Vivemos uma vida inteira a achar que um reflexo é uma verdade. Mas um reflexo não passa disso mesmo: uma imagem esbatida e confusa, uma imitação barata daquilo que somos.
Procuro-me nos espelhos e encontro-me nos outros.
