Texto originalmente publicado no Medium a 9 de Junho de 2022
Dei por mim a fazer um mala de viagem e lembrei-me que era a metáfora perfeita para algo que já queria escrever há algum tempo. Aqui vai.
Cada um de nós carrega uma bagagem, com formas, tamanhos e capacidades diferentes. Mas cada um carrega a sua. Temos lá dentro coisas boas e leves e que sabemos que vão fazer o nosso destino ser vivido de forma incrível. E temos também coisas pesadas que nunca vamos usar e que estão apenas a ocupar espaço. Mas isto é apenas o que levamos de casa. Durante a nossa jornada, vamos recolhendo e guardando mais do que talvez nos apercebamos. E se às vezes temos a sorte de guardar memórias felizes, há muitas outras em que apenas acumulamos tralha.
Às vezes é preciso parar entre destinos e livrar-nos da quinquilharia que só faz peso e não nos deixa avançar.
Acredito também que alguns de nós têm mais espaço que outros. Simplesmente o bilhete (da vida) que lhes calhou tem mais bagagem. Há quem consiga levar apenas uma daquelas mochilas para pôr debaixo do assento, outros já conseguem levar mala de cabine e há até quem tenha mala de porão. Mas queremos todos ir para o mesmo destino (dizem que é o ser feliz não é verdade?). Por isso, quando o teu amigo leva excesso de peso nos ombros, lá és chamado a ajudar e a partilhar a carga. E, com muito amor e carinho (e às vezes muitos abraços no meio), vais tirando coisas da mala do outro e pondo na tua. E, inevitavelmente, como tens mais capacidade para aguentar o peso vais ajudando um e outro e outro… Sempre com a felicidade de estar a ajudar e sempre a acreditar que quando precisares alguém vai estar lá para carregar a tua bagagem também.
Mas a verdade é que tudo pesa. E muitas vezes ficas com peso às costas que os amigos se esquecem de pedir de volta ou que já tomas como teu. E a cada passo, sentes a dor. A cada passo, vais ficando com menos espaço para as tuas próprias coisas. E chega um dia em que abres a mala e tudo o que vês é peso dos outros. Percebes que tiraste as coisas que iam melhorar a tua viagem para poderes levar um qualquer problema do outro. Que carregaste o peso dos outros e que isso te puxa para trás (e para baixo). E os outros estão tão habituados a que os ajudes com a sua bagagem que nem se apercebem e continuam a pedir ajuda. E tu estás tão habituado a ajudar que arranjas sempre mais um espacinho às costas.
Mas chega um dia em que não dá mais. Chegas ao check-in e tens excesso de peso. Não podes embarcar. E é nesse limite que fazes a escolha mais difícil mas também a mais importante. E escolhes ir. Escolhes ir independentemente do que deixas para trás, porque tu também mereces. E destralhas a bagagem, sempre com amor e carinho, e abres espaço para as coisas que precisas e que te fazem bem. E é quando fazes isto que percebes que estás agora muito melhor para ajudar. E recomeças o processo, com a promessa de fazer mais escalas para reorganizar a mala.
Às vezes é preciso largar tudo e comprar o bilhete só de ida, sem bagagem. Deixar para trás o peso e saber dizer que não se consegue ajudar a carregar o peso dos outros.
Outras vezes é preciso largar tudo e comprar o bilhete de volta. Porque todos precisamos de um bocadinho de colo.



