Era uma vez um pequeno espelho.
Um pequeno espelho que cresceu a ser ensinado que a sua função era servir os outros. Mostrar aos outros quão bonitos são. Mostrar aos outros os seus ângulos menos vistos, que nem eles conheciam. Foi ensinado a estar pronto sempre que as suas funções fossem solicitadas. Aprendeu que o que é pertence sempre a alguém e nunca é verdadeiramente seu. Nunca duvidou da sua função e nunca se tinha questionado ou entristecido com a sua vida. Afinal, gostava de ajudar os outros e isso também o deixava feliz.
Foi crescendo e foi ganhando algumas marcas. Uns, chateados com outros vidros e molduras da vida, decidiram descarregar no pequeno espelho e partiram parte dele. Outros não souberam valorizar o seu reflexo e decidiram abandoná-lo. Houve até quem continuasse a passar por ele todos os dias, mas já nem queria saber das coisas bonitas que o espelho tinha para lhe mostrar. A vida é assim, pensou o espelho, um dia vou encontrar alguém que me valorize, e que veja em mim o que sempre sonhou.
O espelho foi ficando adulto e, apesar de todas as quebras e fissuras, continuou sempre a esforçar-se para manter as suas peças juntas, porque tinha uma função para cumprir e essa função era servir os outros. Porque não sabia ser doutra forma e porque no seu subconsciente continuava à procura de familiaridade. Familiaridade como a daqueles que o partiram e que o abandonaram. Vamos sempre à procura de dores parecidas aquelas que conhecemos. O espelho achava que um dia ia encontrar alguém e que o ia mudar. Que, com as suas palavras bonitas, ia conseguir fazer alguém apaixonar-se pelo seu reflexo. E o espelho continuava nesta busca.
Um dia, depois de mais algumas quebras, o espelho percebeu que havia um ângulo que ele próprio não estava a ver. Que havia um padrão que continuava a repetir e que não o fazia feliz. O espelho precisava de se ver a si próprio, de descobrir do que era verdadeiramente feito, o espelho precisava de se ensinar a si próprio e de se servir a si próprio.
O espelho decidiu então partir numa viagem e descobrir o que existia fora da sua realidade. Decidiu sair da divisão onde tinha crescido e estado toda a sua vida. Decidiu ir em busca de si próprio.
E assim que saiu para a rua, o sol bateu-lhe de frente.
Foi nesse dia que o espelho percebeu que era uma janela.



