Texto originalmente publicado no Medium a 15 de Fevereiro de 2021

No outro dia decidi pegar nas aguarelas e pintar. E enganei-me. E saiu mal. E ficou feio.
Mas a borracha não apaga, é tinta que não sai da folha. Podemos esbater a cor, pintar à volta e até pôr uma camada de outra cor por cima. Mas o que está lá não sai.
- A tinta verde por vezes acaba e temos de usar a azul.
Temos de aprender a viver sem a tinta verde, mesmo que seja a nossa favorita. Ou então pegamos na azul e na amarela e vemos que também dá verde. Não há verdes iguais, mas arrisco-me a dizer que todos os verdes são bonitos. - Os nossos tremores às vezes fazem-nos sair da linha. E a maneira mais fácil de corrigir é redesenhar a linha.
Temos de aprender a ajustar a nossa linha à mudança que as nossas mãos trouxeram. E, quem sabe, eu não fico melhor com um braço um bocadinho mais rechonchudo. - Às vezes usamos muita água e o papel fino fica todo ondulado e acaba por rasgar.
Temos de aprender a gostar do papel ondulado porque foi o fruto do nosso esforço. E temos de nos perdoar por ter usado demasiada água.
Mas também temos de aprender que há papéis que não estão preparados para a nossa tinta. Nem todo o papel é indicado para aguarelas, simplesmente porque não foi feito para isso. E não podemos ter medo de querer o papel certo, de não nos contentar com o papel fino. - Há dias em que não conseguimos desenhar nada. Não temos disposição.
Temos de aprender a lidar com a nossa falha, aquela que vem de vez em quando e nos deixa inseguros perante uma folha branca.
Temos de aprender a ir buscar inspiração a coisas diferentes. E temos também de aprender a apreciar a folha branca, só assim: vazia.
Tudo isto faz parte de ser artista. E é cada erro que faz o desenho final ficar bonito. É cada cor ao lado, cada pincelada fora do sítio, cada gota de água a mais, cada papel rasgado e cada dia sem imaginação que nos traz à tela que pintamos hoje.
O tempo não apaga. A vida não recomeça. Mas temos sempre espaço para mais uma pincelada na nossa tela.
Cada pincelada está lá. Faz parte. E não deixa de ser arte.
Temos sempre tempo para transformar “o que faz parte” em arte.

Com borrões, papel rasgado e tinta onde não devia estar.



