Texto originalmente publicado no Medium a 22 de Março de 2021
O fim.
Nos filmes e histórias de crianças o fim é, muito frequentemente, sinónimo de “ E viveram felizes para sempre”.
Na vida real, por incrível que pareça (ou não), o fim parece ter sempre uma conotação muito mais negativa.
Talvez por isso nunca tenha gostado de fins.
…
Quando era pequena, abominava escrever no final das páginas. Insistia em deixar sempre, pelo menos, três linhas vazias. Acho que isso me garantia que eu tinha sempre controlo do que estava no final da página: o vazio. E, às vezes, o vazio não é mau. Neste caso, o vazio significava controlo.
Escrever no final da página requeria que a minha mão dançasse com a borda da folha numa luta constante para não me cortar na sua terminação afiada. Numa luta para que o final não fosse doloroso.
Então evitava-o. Evitava a dor de me magoar com as palavras do fim…da página.
…
Quando era pequena, não era grande fã de sobremesas. Adorava as entradas salgadas, os rissóis, o camarão e o clássico pão com manteiga. Os inícios sabiam sempre a entusiamo e, como eram salgados, deixavam-me sempre com água na boca.
Havia algo de muito doce nas sobremesas que me fazia fugir delas. Como é que o final (da refeição) poderia ser doce? Como poderia um fim ser bom? E ficava-me pela fruta, não muito madura, para sentir o amargo.
Então encontrava um caminho alternativo. Evitava o fim doce e escolhia, deliberadamente, algo amargo para terminar…. a refeição.
…
Quando era pequena, no regresso a casa ao fim do dia, era alérgica ao fim da viagem. Era alérgica a sair do carro quentinho e a mover-me do carro para casa. Então, ali cinco minutos antes do corte para casa fingia que estava a dormir, com esperança de que alguma heroína me pegasse ao colo e me levasse para casa (resultou alguma vezes, não vou mentir: obrigada, mãe).
Com o tempo, fui pedindo só mais cinco minutos dentro do carro e ganhei, com a minha mãe, um hábito de fazer mini sestas no quente do carro, no inverno, antes de entrar em casa.
Havia algo de quentinho naquele carro que contrastava com o frio da casa. E eu queria prolongar o quente e a viagem, mesmo que de forma ilusória.
Então, distorcia a realidade. Prolongava o quente (até este ficar morno) para adiar um frio inevitável…da casa.
Como se lida com um final?
…
Se já soubesse provavelmente teria conseguido terminar este texto de uma forma que me agradasse.
Mas acho que quem me rodeia tem razão:
Com um novo princípio.
Uma nova página.
Uma nova refeição.
Uma nova viagem (nem que seja nos nossos sonhos).



