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Mulheres com espinhos 📝🚺🌹

Texto originalmente publicado no Medium a 8 de Março de 2021

Gosto que me ofereçam flores. Ou até mesmo só uma flor. Gosto ainda mais que se lembrem de mim e que me queiram alegrar o dia com um pouco de beleza. Mas esse ato não tem sempre o mesmo sabor e nem sempre vem acompanhado da flor certa.

A flor mais comum de se oferecer é, provavelmente, a rosa. Se perguntassem à Carolina de há uns anos, tenho a certeza que ela adoraria receber uma rosa e que se identificaria com ela. Afinal, apesar de todos os nossos espinhos, também nós temos algo bonito para dar aos outros.

Hoje, vejo as coisas de forma diferente.

Gosto de receber flores bonitas, mas gostava de receber flores que não picassem. Gostava de poder apreciar a beleza de uma flor sem ter de me preocupar com a forma como a recebo ou com a possibilidade de me magoar. É certo que há floristas que retiram os espinhos, mas nós sabemos que eles estiveram lá e que são parte da rosa. Hoje, prefiro receber uma outra flor, uma que não me magoe.

Porque haveria alguém de me oferecer uma flor que me magoa? A beleza da flor não apaga o que ela me faz sofrer. Principalmente se posso receber uma flor com a mesma beleza e sem espinhos.

Gosto de mulheres com poder. Gosto de mulheres que desempenham cargos de chefia, que fazem limpeza, que governam países, que cuidam de idosos, que criam empresas e que abdicam de trabalhar para ver os filhos crescer. Gosto de mulheres com O poder. De escolha, de decisão. Mulheres com o poder de sonhar e concretizar o que querem. Gosto de mulheres com o poder de nos mostrar a sua beleza. Gosto de mulheres que são flores.

E, se perguntassem à Carolina de há uns anos, tenho a certeza que ela estaria orgulhosa do papel da mulher na sociedade atual e de toda a evolução que as trouxe até aqui.

Hoje, vejo as coisas de forma diferente.

Porque, hoje, vejo e sinto os espinhos. Para chegar aos seus sonhos, nós, mulheres, tivemos que penar muito: de nos sujeitar a salários indignos e injustos, à maioria do trabalho não remunerado, a sacrifícios enormes para podermos ser ouvidas ou sequer consideradas para um emprego, a assédio diário, a violência doméstica e a desigualdade, muito desigualdade. A emancipação e empoderamento das mulheres é, ainda, um espinho nas nossas vidas. É, ainda, uma luta.

E eu não quero contentar-me com ter de viver como uma flor com espinhos.

Hoje, nós, mulheres, não morremos num incêndio de uma fábrica sem condições. Mas morremos com os espinhos das rosas que nos dão e que aceitamos. Felizes, contentes e resignadas com o simples facto de recebermos uma rosa e sermos lembradas nestes dias.

Morremos sempre que nos conformamos com uma flor oferecida uma vez por ano, quando nos outros 364 tudo o que nos oferecem são os espinhos.

Está na altura de recebermos flores sem espinhos.
Está na altura de sermos mulheres sem espinhos.
Está na altura de nos deixarem mostrar a nossa beleza sem terem os nossos espinhos em troca.

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