Texto originalmente publicado no Medium a 3 de Janeiro de 2021
2020 foi um ano de falhas, falhámos em atingir os nossos objetivos, falhamos em fazer aquela viagem de sonho, em conseguir o emprego bem pago ou a manter a relação que achámos que era para sempre. E não soubemos lidar com isso.
Não soubemos lidar com 2020 porque nunca soubemos lidar com as nossas desilusões. Estamos habituados a resolver todos os nossos problemas com um: “Vai ficar tudo bem”, com um “amanhã será melhor” ou até com um “foca nas coisas boas”. Não sabemos bater no fundo, não sabemos estudar o fundo do poço nem perceber o que sentimos lá ou como fomos lá parar. Estamos sempre agarrados à ideia de que temos de estar bem, de que temos de focar no céu que vemos do fundo do poço. Mas se nunca conhecermos bem o poço em que estamos nunca vamos conseguir sair dele nem evitar futuras quedas. Porque não nos enche o coração ver o céu do fundo do poço, o que queremos é voar, e não estar presos dentro do buraco onde fomos cair (sim, porque é sempre um acidente, nunca vemos os sinais, sentimos sempre que fomos empurrados assim sem mais nem menos). Fomos ensinados a ignorar as coisas más, a olhar em frente e a não fazer o luto das nossas perdas. Somos estimulados diariamente com o que aparenta ser a felicidade dos outros, com as fotos dos sítios que ambicionamos visitar, com vídeos das festas a que queríamos ir, com as roupas que sonhamos vestir. E não sabemos viver sem termo de comparação. E comparamos sempre com o mais rico, o mais bem vestido, o que aparenta ser mais feliz. Se, por um lado, não fomos ensinados a fazer o nosso luto e a abraçar as emoções negativas, por outro, todos os dias temos a felicidade dos outros esfregada na nossa cara.
Mais que isto, vivemos numa sociedade em que “não basta sê-lo, há que parecê-lo”. Inevitavelmente, na nossa vida pessoal e profissional, temos de nos esforçar para mostrar o que somos, o que fazemos e o que temos. Somos incentivados a vender-nos em cada entrevista de trabalho, a ser competitivos com os colegas na universidade e a conseguir o trabalho que nos vai colocar no topo da pirâmide social. Somos convidados a mostrar que temos uma casa melhor, uma roupa melhor, que almoçamos em sítios melhores e que temos mais amigos que os nossos seguidores (que nem importa se são nossos amigos). Somos forçados a parecer sempre bem, a estar sempre no topo, sempre a “vivê-las”. E, viver nesta constante necessidade de ser alguém que podemos não ser, viver nesta constante necessidade de ser o que os outros querem que sejamos e de mostrar o que gostávamos de ser: consome-nos. Consome porque vivemos atrás de ilusões e porque não nos sentimos no direito de ser quem realmente somos e de mostrar o que realmente sentimos (afinal estar deprimido não é nada fixe). Porque vivemos sempre na ânsia, na inquietação, na ambição. E esta ambição é perigosa, porque queremos ser melhor que os outros e mais que os outros, e não melhor que nós próprios. Porque a nossa ambição é ser melhor que as ambições do outro, aquele que parece feliz. Porque até os nossos sonhos vendemos, e ao preço da chuva (de likes).
E que geração estamos a criar, em que geração nos estamos a tornar?
Somos jovens que lutam para terem atenção e que vivem para serem reconhecidos e aceites como “fixes”. Somos jovens que vivem para ter a validação dos outros, mesmo que isso não cumpra o objetivo de nos satisfazer a nós próprios (que muitas vezes nem sabemos como). Somos jovens que não sabem lidar com uma negação, com um obstáculo, com um 2020.
Mostramos ser livres no céu, mas vivemos presos no fundo do poço.



