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Por um mundo com mais pratos com gatos 📝🍽️🐾

Texto originalmente publicado no Medium a 8 de Fevereiro de 2021

Estamos todos habituados a deitar fora o que está estragado. Pratos, telemóveis, sentimentos, tachos (os do fogão!), relações, roupa, família e até aquele triângulo de queijo no fundo do frigorífico. (Ok, o queijo é mesmo melhor deitar fora)

Se está avariado: lixo e compra-se novo. Se está com problemas: fora e arranja-se novo. Se está depressivo: ignora-se e encontra-se outro. Fazemos isto todos os dias, com o prato lascado ou com as nossas relações. Somos cada vez menos pacientes e mais exigentes. O prato lascado não tem mais lugar à mesa. E o nosso amigo ferido também não.

É certo que parece que antigamente tudo durava mais e era feito mesmo para durar. Mas, acredito, muito também pela vontade das pessoas de cuidar do que lhes saiu do corpo. Tudo tinha reparo: os pratos levavam gatos (aqueles agrafos que vemos nos pratos antigos chamam-se gatos) e duravam vidas, as calças tinham remendos nos joelhos e os pedidos de desculpas eram mais frequentes. Somos descendentes de gerações que lutaram por mudar e remediar todos os problemas da sua vida: dos pratos partidos à ditadura. Os problemas eram para ser resolvidos e enfrentados, pôr na borda do prato não era solução (principalmente porque o prato era capaz de estar lascado). Mas um prato não era menos prato por estar lascado. Não deixava de cumprir a sua função. E funcionava de forma igual com as pessoas. Não deixávamos de ser pessoas (e amigos) por estar melancólicos ou mais em baixo.

A evolução da economia e das sociedades trouxe-nos mais qualidade de vida (ou assim nos parece) e ainda bem! Afinal, ter dinheiro para comprar um prato barato quando os nossos se partem dá um jeitão! Mas isso fez com que quiséssemos comprar mais pratos do que os necessários, com que cuidássemos com menos amor dos pratos que temos e com que valorizássemos menos cada prato novo. Mas, pensando bem, qual a vantagem de ter um prato não lascado? Um prato por si só não tem valor. Só quando se lhe põe comida em cima e se mata a fome de alguém é que passa a ter. O valor do prato não depende do número de gatos, mas das fomes que sacia. No entanto, há por aí muitos pratos com gatos e muito valiosos. Já dos pratos que não se remendaram…Desses não reza a história.

Mas não, não nos contentamos com o imperfeito. Queremos sempre o mais-que-perfeito. Quer estejamos no pretérito ou no futuro. Será que só suportamos uma imperfeição na vida: a nossa?

Serão os pratos mais descartáveis agora ou somos nós que os descartamos mais? Terão as pessoas mais problemas agora ou teremos nós menos vontade de os solucionar?

Só queremos o que está como novo, e esquecemo-nos que também a nós faltam peças.
Gostava de um mundo com mais pratos com gatos.

(Ainda por cima agora que somos tão defensores dos animais)

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