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REELacionamentos da minha geração 📝❤️📸

Texto originalmente publicado no Medium a 20 de Fevereiro de 2023

Os meus avós passam dias a apreciar o tédio. Ficam sentados na sala, ao sol, com a televisão desligada, deitam-se na cama a descansar, passeiam pelo jardim ou ficam à porta a ver os carros passar. Os meus avós aprenderam que a vida é feita de momentos calmos e de aborrecimentos. Os meus avós aprenderam que as coisas boas da vida requerem paciência e a arte de saber esperar. Porque, sentados à porta uma tarde, esperam sempre por alguém que há-de vir para lhes dar dois dedos de conversa e trazer as emoções desse dia.

Eu tenho uma relação mais difícil com o tédio e o aborrecimento e acho que muita da minha geração também. Somos parte de uma sociedade que tem sempre um telemóvel na mão. Dou por mim a passear na rua, de fones nos ouvidos, e a agarrar o telemóvel como se a minha vida dependesse de o ter na mão. E a verdade é que temos sempre entretenimento à (e na) mão. Se estamos aborrecidos, basta abrir uma das aplicações de redes sociais que temos e teremos à nossa disposição uma panóplia de vídeos que nos vão fazer sentir coisas. Porque é isso que queremos, alguma emoção que preencha o nosso tédio. E vamos deslizando com o dedo e estimulando o nosso cérebro com um turbilhão de emoções diferentes, porque o dia não vale a pena se não tiver estas emoções fortes todas! E se não gostamos do primeiro vídeo, basta deslizar até encontrar um que desperte em nós o que estamos à procura.

Vivemos a achar que a vida é este turbilhão de emoções. Que a vida é ir viajar para as Maldivas, que é ter o casaco da moda, o telemóvel novo, o namorado perfeito, que é ir jantar com as amigas ou que é estar sempre em festas. E vivemos em busca deste estímulo constante para não ficarmos de fora do padrão de vida “normal” dos que nos rodeiam. Queremos emoções fáceis, momentâneas e, acima de tudo, que não exijam trabalho ou responsabilidade. Mas os relacionamentos não são os reels do Instagram. Não é deslizar e procurar outro quando fica aborrecido. Não é ver muitos seguidos durante 2 horas antes de ir dormir. Não é arranjar distração para preencher um vazio.

O problema é que somos também a geração que tem medo de se apegar, que não quer relacionamentos, que não quer responsabilidades. Mas queremos ter alguém para acordar ao domingo depois de uma saída à noite, queremos companhia para o brunch, queremos alguém para ir jantar fora durante a semana. Mas não queremos nunca reduzir as nossas alternativas, e continuamos a deslizar pelas pessoas (literalmente) infinitamente. Não conseguimos conectar-nos porque temos a régua da felicidade muita alta. Temos muito termo de comparação e quando a coisa começa a ficar séria, quando o aborrecimento chega, fugimos. Somos a geração que não consegue lidar com os seus próprios problemas e que não tem bagagem (nem vontade!) para lidar com os dos outros. E por isso convencemo-nos que não queremos relações. E deambulamos por aí, entre appsreels, fotos e stories, como se estivéssemos a correr todas as lojas em busca do casaco perfeito, da emoção perfeita.

E nunca chega. Porque mesmo dizendo que não queremos, andamos sempre à procura, sempre a comparar, sempre em busca de emoções e de algo novo que nos faça vibrar, que nos faça sentir, que nos faça ser, ser parte do nosso conceito de vida.

Mas os relacionamentos não são sobre querer ou sobre procurar incessantemente. São sobre ter coragem para ficar: para começar de novo apesar dos traumas do passado, para tentar todos os dias mesmo quando não nos vai apetecer. São sobre ceder às vontade do outro de vez em quando e sobre aprender a viver no tédio, na monotonia e na rotina do dia a dia. Os relacionamentos são sobre ter coragem para a responsabilidade afetiva. Os relacionamentos não são um reel que serve de escape ao tédio da vida.

Há tédio na vida. Há emoções na vida. E há tempo para tudo, e temos de saber apreciar e viver em cada momento. E, acima de tudo, saber quando parar de deslizar em busca de alguém que nos faça sentir algo, e parar para escutar o que estamos a sentir agora.

Onde aprendi isto tudo?

Nos reels do Instagram.

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