Texto originalmente publicado no Medium a 1 de Março de 2021
Contaram-me uma história sobre um peixe. Ele vai ter com um peixe mais velho e diz:
Soul, 2020, Walt Disney Pictures & Pixar Animation studios
-Estou a tentar encontrar uma coisa chamada oceano.
-Oceano?– pergunta o velho peixe – É onde tu estás agora!
–Isto aqui?- diz o jovem peixe – Isto é água! O que eu quero é o oceano!
…
Somos peixes. Uns pequenos, uns grandes, uns amarelos, uns vermelhos, uns gostam do fundo do mar, outros nadam na superfície, uns são independentes e outros só sobrevivem debaixo da barbatana de algum grande animal. Mas estamos todos aqui: debaixo de água (literalmente).
E vivemos a nadar atrás do nosso oceano: o emprego de sonho, o amor dos filmes de fantasia, o dinheiro que precisamos, as viagens com que sonhamos ou até o simples quintal do vizinho.
(Sobre)Vivemos (n)o presente a pensar no amanhã. Somos reféns dos nossos próprios sonhos e estamos presos com um cordão umbilical difícil de cortar. E não tem mal nenhum ter sonhos, é importante ter um objetivo. Mas estamos a perder os corais à nossa volta, as danças dos cardumes e as pérolas que as ostras escondem. Tudo porque andamos atrás do tal oceano.
Estamos confinados e só conseguimos sonhar com o desconfinamento. Temos finalmente tempo para nos desenvolver, para estar com a nossa família, para melhorar a casa e para aproveitar algum descanso de um mundo que nos exige mais a cada dia. E só conseguimos planear o que vamos fazer quando a pandemia terminar. Passamos a vida a sonhar com o oceano que nos prometeram em vez de pensarmos qual a água que queremos que nos envolva agora. Estamos há um ano a sonhar com o fim e esquecemo-nos de aproveitar o meio, o entretanto, o ano (sim, um ano!) que passou. A verdadeira pandemia é esta ambição desmedida: é esta procura de um oceano quando já vivemos nele.
E depois? Quando chegarmos ao oceano?
O mais provável é ficarmos deslumbrados e deixarmos de nadar. Ou descobrirmos que afinal estávamos bem onde estávamos e que o oceano não é nada do que nos venderam. Ou ouvir falar de um ainda melhor oceano.
Isto e sermos comidos por um tubarão.
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