Texto originalmente publicado no Medium a 29 de Janeiro de 2022
frau·de
Fraude: do latim fraus, fraudis. Ato com intenção de enganar ou prejudicar alguém: burla, embuste. Ação ilícita que procura escapar a obrigações legais. Introdução de géneros no mercado, sem pagamento de direitos ou impostos.
“fraude”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008–2021, https://dicionario.priberam.org/fraud
Sou uma fraude. Porque me roubo todos os dias. Roubo a pessoa e profissional que podia ser se acreditasse mais em mim. Burlo-me a mim mesma de tantas formas que acabo por pagar mais caro no fim.
Mas tenho consciência, por isso apresento-me aqui, neste tribunal de letras, para ditar a minha própria sentença, esperando não obter um grande julgamento do vosso lado (não consigo deixar de fazer trocadilhos, perdoem).
Abaixo encontrarão a lista de infrações que me trazem aqui hoje.
…
Crime: Defraudamento.
Infração 1# Síndrome de impostora
Já perdi a conta à quantidade de pessoas, principalmente jovens, com os quais já tive esta conversa. Sinto-me uma fraude e sei que não sou a única. Entrei numa das melhores faculdades do país, fiz uma licenciatura e um mestrado e sinto que não sei nada. Assumo cargos no mundo corporativo para os quais penso muitas vezes que não tenho capacidade para. É aquela sensação de estar a enganar alguém quando elogiam o teu trabalho. A ideia de que conseguimos uma promoção por sorte e não porque trabalhamos para isso e somos efetivamente capazes. A culpa de não ser perfeita.
Infração 2# Amaldiçoada pelo conhecimento
O sentir-me pouco conhecedora do mundo e das diferentes matérias. O subvalorizar as minhas capacidades e sobrevalorizar as dos outros. Aquela voz que me diz: “ Ah saber comunicar, ser objetiva e de alguma forma saber liderar e por uma equipa a trabalhar para o mesmo é fácil! Eu gostava era de saber mexer com dados, eu gostava era de saber programar, eu gostava era de perceber mais daquilo…”. Uma sequela do clássico “ o quintal do vizinho é sempre melhor que o meu”.
Infração 3# A bolha de talento
Saída de uma escola de gestão sempre aprendi que a competição gera o melhor resultado e que traz o melhor de cada um, gerando mais inovação. E sim, traz boas consequências mas também tem externalidades negativas (inserir piscadela de olho pelo uso de um termo económico). Quando vivemos rodeados só pelos melhores, tendemos a achar que se não estivermos no topo não somos bons. Quando vivemos numa bolha de talento e não somos suprassumos, somos levados a acreditar que não temos valor, que não temos talento e que não temos lugar nos empregos de sonho, e só o descobrimos quando nos comparamos com toda a população (olhem aqui o termo estatístico também).
Infração 4# O viés da negatividade
Sim, eu fico 2 semanas a pensar num erro que cometi (em contexto pessoal sou capaz de ficar muito mais) mesmo que tenha sido algo tão corriqueiro como me ter esquecido de anexar um ficheiro num email. Atribuo demasiado peso às minhas falhas quando comparado ao que dou aos meus sucessos. Preciso de 10 vezes mais sucessos para balançar uma falha e para a conseguir superar, para me conseguir confortar e estar bem comigo própria. Exijo de mim a perfeição que não existe.
Infração 5# Autossabotagem
E depois vem a sabotagem. O medo do fracasso faz-me procurar fatores externos que depois possa usar para culpar o meu insucesso. Tenho tanto medo de falhar que procuro deliberadamente sabotar-me para ter uma desculpa quando o falhanço chegar. E entra a procrastinação, o deixar para depois para conseguir confortar-me com um “ eu nem me esforcei assim tanto, se eu quisesse tinha feito muito melhor.”
…
Sou culpada. Dos mecanismos automáticos que me boicotam. Culpada de me defraudar, de não ser o melhor que podia ser.
Não é fácil escrever sobre as nossas falhas. Mas quero que este “crime” não me prenda mais, quero libertar-me deste peso e ditar a minha própria sentença.
