Título: A lua pode esperar
Autor: Gonçalo Cadilhe
Género: Não Ficcção, Crónicas, Literatura de Viagem
Data de Lançamento: Novembro 2023
Editora: Clube do Autor
Páginas: 256
ISBN:9789897247101
Classificação: 5/5
Terminado em Abril 2025
Wook: A Lua Pode Esperar
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“A Lua Pode Esperar” é mais do que um simples livro de viagens. É uma coletânea de histórias, experiências e reflexões vividas pelo escritor e viajante português Gonçalo Cadilhe. Nesta viagem, vamos com ele onde ele nos levar porque o destino importa menos do que o caminho.
Nota introdutória
O autor explica-nos em que consiste o livro e o porquê do seu título. « Cada vez me convenço mais de que viajar não é colecionar muitos destinos, entre eles, uma hipotética aterragem lunar, mas sim conhecer bem aqueles que nos falam ao coração. »
« Vale a pena conhecer bem os lugares que nos interessam e que mexem connosco; vale a pena investir tempo nos lugares que sentimos, ainda antes de os visitar, que são parte de nós (…) Os outros destinos, como a Lua, podem esperar. »
O autor leva-nos depois por 23 capítulos e destinos espalhados pelo mundo e ilustrados com as fotografias que o Gonçalo tirou aquando das viagens. E são viagens no tempo e no espaço. No espaço, porque vão do fim do mundo ao local mais básico que consta em todos os passaportes. No tempo, porque contempla aventuras de 1989 a 2011, provando-nos que mesmo que conheçamos um local, há sempre uma variável qualquer que o vai tornar irreconhecível para nós em poucos anos. Viajar é sempre mais do que mudar de sítio. Deixo-vos algumas passagens e comentários pessoais de cada um dos capítulos.
1. Espreitar a Patagónia – Patagónia, Argentina
« Cada um de nós tem dentro de si uma Patagónia por concretizar.»
Começou assim este primeiro capítulo e eu soube ali que ia amar este livro. Em primeiro lugar, porque tenho mesmo uma Patagónia por concretizar, um sonho que tem um lugar especial no meu coração. Em segundo, porque, como sabem, amo metáforas e esta teve um sabor especial. Também foi neste capítulo que descobri que Darwin esteve na Patagónia e que o Pablo Neruda nasceu por essas bandas.
« Creio que a todos nós chega, pelo menos uma vez na vida, a disponibilidade para a solidão e para o despojamento do marinheiro que passou demasiados anos no mar. A todos nós toca uma vez na vida navegar. »
Pus em perspetiva algumas das minhas próprias experiências. « Ivan é comunista. E que outra coisa pode ser um jovem na América Latina? (…) Um homem que não foi comunista aos vinte anos, não tem coração; um homem que ainda o é aos cinquenta não tem cabeça. (…) Um homem que não é comunista na América Latina não tem coração. Tenha a idade que tenha. Eu sei, eu viajei pelo continente, eu vi a fome, o analfabetismo, a desigualdade económica, a falta de infraestruturas, a ausência de responsabilidades sociais por parte dos Estados, a impunidade ostentiva e empanturrada (…) »
2. Odisseia No Espaço – Windhoek, Namíbia
3. As Pedras Do Silêncio – Cusco, Peru
« Quer saber quem a construiu, e o pai responde-lhe: O espanhol, com a pedra inca e as mãos dos índios.»
4. Nenhuma Razão Para Estar Aqui – Amazonas, Brasil
Se ainda estava na fase de namorar este destino fora do comum, acho que foi neste capítulo que o oficializei na minha Bucket List.
« Há duas razões para navegar o Amazonas. Uma, é para sair dele, ir embora assim que for possível, chegar a uma cidade, um terminal de autocarros, um aeroporto, algo que leve para fora deste mundo claustrofóbico e imenso. A outra razão é para que este mundo se entranhe em ti para sempre. Através das vidas que viajam contigo. Navega-se o Amazonas para conhecer pessoas de lá. »
5. A Ressurreição da Pedra – Zanzibar, Tanzânia
O lugar onde nasceu Freddie Mercury e que é o paraíso de muitos recém-casados, pode também ter um lado mais sombrio. « A insistência recorda que estamos no mundo árabe, a sua arrogância recorda que estamos na África pós-colonial, o olhar recorda um ancestral ódio infinito. »
6. Encontrar Tânger – Tânger, Marrocos
Por aqui passaram vários artistas em busca de inspiração, como Matisse que « procurava mas não sabia o quê.» « O essencial não mudou: regressa a Tangêr quem não tem pressa. Só com tempo se apagam a angústia e o frenesim das vidas que se deixam em casa. (…) O essencial não mudou: em Tangêr encontras. »
7. Num Cacilheiro Em Yangon – Yangon, Myanmar (Birmânia)
Quando vivi na Tailândia namorei imenso este destino mas acabei por nunca ter oportunidade de ir, também porque se encontrava quase sempre com conflitos civis o que tornava o turismo mais complicado. Viajei com o Gonçalo por uns parágrafos. « Muita gente não ganha um dólar por dia. O salário de um embarcadiço é uma aberração, uma miragem, nas aspirações possíveis de um birmanês: que importa os contratos de doze meses a bordo (…) As saudades e a solidão combatem-se pensando no benefício económico dos que ficam em casa. »
8. Danúbio Não Azul – Budapeste, Hungria
9. A Ilha Da Tasmânia – Tasmânia, Austrália
« Com catorze reservas florestais e espécies animais únicas, como o diabo-da-tasmânia, tem um quinto do território considerado Património Natural da Humanidade. »
10. À Boleia Nas Dolomitas – Dolomitas, Itália
11. Grita Liberdade – Cidade do Cabo, África do Sul
12. A Conquista Do Espaço – Cinque Terre, Itália
13. Uma Cidade No Teto Do Mundo – Potosí, Bolívia
14. Às Voltas Com Steinbeck – Salinas, Califórnia, Estados Unidos da América
15. O Inverno Em San Sebastían – San Sebastían, Espanha
16. Lições De Pesca Em La Liberdad – La Liberdad, El Salvador
17. A Estrada Para o Sul – Invercargill, Nova Zelândia
18. Dias Lentos – Bocas del Toro, Panamá
19. A Jangada Da Memória – Córsega, França
20. O Caminho Mais Longo – Do Texas à Califórnia, Travessia pelo México
21. Em Casa do Imperador – Roma, Itália
22. A Ilha Da Última Canção – Ilhas Marquesas, Polinésia Francesa
23. Pela Indonésia Acima – Bali e Várias Ilhas, Indonésia
No início do capítulo aparecem as Ilhas Mentawai, com as quais já me cruzei no Instagram, já “namorei” as várias tribos que aí habitam e coloquei este destino na Bucket List (que por este andar já vai longa, bem sei).
Depois o autor percorre a Indonésia (onde também já estive) e confirma o que sempre achei sobre Bali: um lugar de deboche e muito fabricado para ser o que os turistas (hippies no início) querem dele. « O islão não atravessou o estreito. (…) Bali aparece assediada pelo islão. E no entanto, em Bali, o hinduísmo permaneceu.»
Começo a achar que tenho muitos pensamentos parecidos ao Gonçalo, e acredito que se deve ao facto de já conhecer um bocadinho do mundo que ele parece conhecer de cor. Surge o tema da felicidade e que tantas vezes é posto em rankings, elegendo até países mais felizes do mundo. Temos uma tendência a achar que outros povos, muitas vezes mais pobres e simples são mais felizes porque têm menos ambição. Não é verdade, a ambição é sim mais básica que a nossa, porque é uma ambição de uma vida melhor. É mais básica, mas é tão maior. « Apetece pensar que as pessoas são mais felizes neste universo pastoral. Mas não são, a relação do ser humano com a felicidade é igual em todo o mundo. »
Opinião
Este livro foi me oferecido com muito carinho e veio com um pedido “Que um dia possa comprar um livro teu”.
Gosto igualmente de viajar e de escrever e foi aliás dessas paixões que nasceu este cantinho. Mas há algo sobre escrever sobre viagens que me traz mais do que apenas viajar e apenas escrever. O clássico exemplo de “o todo ser maior do que a soma das suas partes”, mesmo que matematicamente errado. Porque a matemática não interessa nada quando tentamos pôr por palavras aquilo que sentimos, mais do que aquilo que vimos.
O Gonçalo fá-lo com uma mestria incrível que nos consegue transportar para uma história e um lugar distante ao mesmo tempo que nos aproxima dele. Viajar é mais do que ver um país diferente, é descobrir uma parte de nós diferente, que depois de exposta não pode mais voltar para debaixo do tapete. Este livro lembrou-me do que me faz sentir viva e realizada. Quem sabe um dia não terei o meu próprio livro sobre as minhas histórias. Quem sabe não será este blogue isso mesmo.



